quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Vida de Artesão

Brincava com argila em cima daquelas mesas que giram antes de tudo acontecer. Estava tranquilo no meu mundo, no meu canto, nos meus sonhos. E, justamente quando eu estava mais distraído, você apareceu para me fazer companhia.

Chegou como quem surge do nada, sem motivos ou explicações. Me assustei. Estava distraído demais para imaginar que houvesse alguém ali por perto cuidando aquilo que eu fazia. Pediu licença e deixei que sentasse no banquinho vazio que estava ao outro lado da mesa. Afinal, tinha certeza de que sua companhia não me faria mal. E foi assim mesmo que tudo começou:

Nós lambuzando as nossas mãos, nós mexendo naquela terra molhada, nós mexendo naquela coisa disforme e desconhecida. Começamos devagar, lentamente, mas aos poucos a mesa foi acelerando e assim a coisa toda começou a tomar forma, sem nem sabermos o que queríamos produzir, sem nem sabermos no que aquilo iria virar.

E assim nosso objeto começou a tomar jeito, crescendo aceleradamente, de uma maneira quase incontrolável. E onde eu já não dava conta daqui, as suas mãos estavam ali corrigindo as minhas partes mais fracas, os meus deslizes, fazendo nossa massa estranha e densa virar alguma coisa real, conhecida. E assim eu fazia o mesmo: modelava, aparava, acreditando que poderíamos fazer uma obra prima.

Nosso objeto agora já crescia assustadoramente. Já tinha chegado a um ponto onde eu vislumbrava um vaso. Um vaso lindo. Um vaso onde poderíamos colocar as mais lindas flores. Aquilo estava cada vez mais bonito, mais sólido, mais real. A mesa já estava super acelerada e mesmo assim estávamos dando conta! Eram quatro mãos juntas que chegavam a se entrelaçar em busca do melhor resultado. Meus olhos brilhavam e sentia que os seus também brilhavam por aquela peça, por aquela escultura cor de barro que nem nome tinha ainda.

E foi aí que, exatamente quando nosso vaso mais dava sinais de que poderia virar aquilo que eu havia imaginado, você se foi. E foi assim que eu fiquei aqui, com minhas mãos sujas sobre um pobre vaso, sobre uma mesa acelerada numa velocidade absurda. Foi assim que eu tentei ainda segurar a massa o máximo que eu pude. Foi assim que eu continuei até onde eu aguentei, até me machucar ao tentar desesperadamente parar a mesa. E foi assim que eu vim parar aqui, ferido, com um vaso incompleto nas mãos.

Tentei, mas não consegui termilá-lo sozinho. Você pode até argumentar, dizer que antes de sermos dois, é necessário sermos um, dizer que podemos e devemos fazer peças bonitas sozinhos (coisa que até acredito) mas, o que eu vejo agora é um vaso abaloado, deformado, inacabado. Vejo um vaso que carece da sua digital. Vejo um vaso triste e seco. Vejo um vaso sem flores. Sem vida.

Nenhum comentário: